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“Crouching Structure, Hidden Plot”
Ou
Como Aprendi a Deixar de Me Preocupar e a Amar a Estrutura.

Cláudia Silva

A estrutura é uma daquelas coisas que têm uma péssima (e não merecida) reputação. Muitas vezes, a mera menção de como estruturar uma novela me ajudava a escrever, recebia respostas como “Não uso estrutura porque vai destruir a minha criatividade” ou “Mas isso vai fazer o teu livro igual a todas os outros.” Posso desde já garantir: estruturar uma novela (e saber como o fazer) não vai tornar a vossa história chata, previsível ou sequer igual a todas as outras.
A estrutura é como um esqueleto: todos os seres humanos têm um, essencialmente igual (duas pernas, dois braços, um monte de costelas…) – mas ninguém acredita que todas as pessoas são iguais só porque o seu esqueleto é idêntico. O que torna um ser humano num indivíduo é quem esse ser humano é, a sua essência. O mesmo ocorre com uma história: “A Guerra das Estrelas” tem a mesma estrutura que “O Padrinho” e que “Harry Potter” – mas são histórias muito diferentes, e com públicos-alvo muito diversos entre si. No entanto, são boas histórias, bem contadas – exactamente porque têm a mesma estrutura, que, afinal, se resume a “Princípio, Meio e Fim”. Ou “com pés e cabeça”, se quisermos ser mesmo minimalistas.

Sim, eu sei que isto parece incrível, mas garanto que não estou a alucinar por excesso de escrita e falta de sono (ainda não estamos em Novembro). A estrutura, sendo o esqueleto de uma história, assegura que esta não é uma massa amorfa, e que se consegue aguentar sozinha. Mas note-se que conhecer bem a estrutura não é chave automática para ter um bom livro (uma pessoa atraente é mais que um bonito esqueleto coberto de músculo e pele à balda, afinal) – um bom livro tem uma história interessante, contada de forma competente. E é para isso que a estrutura serve.

Conflito Faz o Mundo Girar

Existem várias versões do que deve ser uma estrutura (3 Actos & 3 Desastres, Conflito\ Agravamento\ Resolução, 7 Cenas, etc.), mas todas elas têm uma coisa em comum: conflito. Uma história sem conflito é desinteressante, porque as coisas ficam na mesma, e 300 páginas de “Levantei-me, acordei, fui para o emprego, e sou feliz como estou” fazer-nos-iam atirar o livro pela janela muito rapidamente. Conflito leva a mudança. Mudança desperta interesse. Logo, assegurem-que o vosso protagonista tem problemas desde muito cedo, que pioram consideravelmente com o decorrer da história. Se a situação dos vossos protagonistas parece que não pode piorar – arranjem novas e criativas maneiras de assegurar que vai. O protagonista só pode relaxar no fim da história, depois do grande conflito final. O leitor não pode saber até ao fim da história quem vai ganhar.
Porquê? Porque isso assegura que queremos ler a história até ao fim.
Note-se que é possível aplicar esta estrutura sem ser obrigatório haver um vilão a retorcer os bigodes – o antagonista pode ser desde alguém benevolente que toma decisões que acredita que é para o bem do protagonista (veja-se, por exemplo, o filme “Entrelaçados” da Disney), ou até o protagonista (como na peça “Cyrano de Bergerac” de Rostand, onde a falta de confiança do herói sabota o seu próprio romance e felicidade).

Pés e Cabeça
Como já foi referido, existem várias interpretações, e até vários métodos de criar uma estrutura, mas decidi referir aqui apenas o que considero mais equilibrado: o método das “7 Cenas-Chave”, talvez porque, de todos os métodos que conheci, é o que me parece mais orgânico. Claro que isto não é uma receita para sucesso instantâneo – novamente, é um fio condutor para a vossa história, para vos ajudar a dar-lhe ritmo e maximizar o interesse do leitor. Se há histórias que não seguem uma estrutura equilibrada? Decerto, mas lembrem-se que a) só porque algo foi publicado não quer dizer que seja bom, e b) há excepções para todas as regras. A escrita não é uma ciência exacta – experimentem várias técnicas e sigam o vosso instinto para decidir o que resulta melhor no vosso livro.

Os 4 Actos e as 7 Cenas-Chave

Esta técnica isola as chamadas 7 Cenas-Chave de qualquer história, cenas essas que são essenciais para assegurar que há um crescendo no conflito que atinge o seu pico no confronto final. Essas cenas são espaçadas de forma a assegurar que não há momentos “mortos” em que o leitor se possa aborrecer. Não queremos uma história a correr, mas também não queremos engonhar. Livros com momentos de “Encher Chouriços” ou “Meter Palha” são algo a evitar. Note-se que o termo “Cena” não implica que tudo o descrito tenha que acontecer numa única cena ou até capítulo – apenas que são momentos chave, que podem ocorrer numa só cena, ou ser um acumular de eventos.
Para ajudar a demonstrar como esta estrutura funciona, vou utilizar como exemplo “A Guerra das Estrelas” (Episódio IV) – mas podem usá-la com qualquer género, desde romance, a fantasia e a drama policial.

O Acto I serve para nos apresentar o início do conflito, os personagens e o mundo. É conveniente evitar o erro de muitos escritores inexperientes que rapidamente despejam a descrição do mundo e dos personagens mal o livro começa. É quase como se fosse algo particularmente desagradável de que têm de se livrar rapidamente para poderem chegar à parte interessante. Nenhuma parte do livro pode dar-se ao luxo de ser desinteressante ou inútil, que se tem de ler por obrigação – todas as cenas devem, de alguma forma, avançar o enredo e\ou o desenvolvimento do protagonista. Logo, o ideal é que o livro abra de forma forte, com acção, e que o mundo e as personagens sejam ser introduzidos na história de forma indirecta.

Cena 1: “Incitação Por Incidente” – Uma história começa sempre quando o conflito começa, e acaba quando o conflito acaba (quer o herói ganhe ou perca) – o protagonista é incitado a agir à base de problemas: o Incidente. Começar com a apresentação do mundo e só depois passar para a história em si é quase sempre aborrecido. Sim, decerto há autores que conseguem fazê-lo de forma interessante, mas esses são raros, geniais e se fores um deles, parabéns. O resto de nós, no entanto, tem que jogar pelo seguro. Nesta cena de abertura, os problemas começam e o mundo é mudado. O protagonista é levado a agir porque algo problemático acontece.
Em A Guerra das Estrelas, o filme abre com Darth Vader a capturar a nave da princesa Leia, onde ela confia algo (não se sabe ainda o quê) extremamente importante a dois dróides que escapam de seguida para o planeta Tatooine. É uma cena que avança a acção, mas, ao mesmo, consegue apresentar-nos o mundo: sabemos que se passa numa galáxia que não a nossa, que um Império maléfico a controla, que há rebeldes que se opõem, e a tecnologia é suficientemente avançada para ter armas de energia, naves gigantescas, e dróides. Temos também informação sobre a personalidade e história de duas personagens – Leia e Vader – graças a uma série de curtos, mas competentes, diálogos.

Durante o resto do Acto, o conflito agrava-se: o protagonista, como qualquer pessoa normal, resiste à mudança e tenta, talvez refugiar-se na sua “normalidade”, com esperança de que se fechar os olhos, a crise se irá resolver.

A cena muda para Tatooine, onde conhecemos o nosso herói. Vemos Luke Skywalker na sua vida normal – agora alterada pela chegada dos dois droides, 3CPO e R2D2. É-nos apresentada a história dele (órfão, que vive com familiares numa quinta, e quer algo mais da vida), bem como a sua personalidade e relação com os tios. A acção não pára, temos Luke a investigar o mistério da mensagem para Obi-Wan Kenobi, que o leva a ser atacado por Pessoas da Areia e a encontrar o misterioso ermita Ben Kenobi. Estas cenas descrevem o protagonista, personagens secundárias e Tatooine, mas estão encadeadas de forma a, mesmo assim, fazerem a história principal avançar.

– Cena 2: “A Aceitação do Problema” – Este ponto é o momento de passagem de Acto I para o Acto II. Com o passar do tempo, a crise agravou-se até ao ponto em que o protagonista não pode já mais ignorar a situação e é levado, pela força das circunstâncias, a agir.
Os soldados imperiais descobrem que os tios de Luke compraram os dróides, e, por isso, executam-nos e destroem a quinta. Luke, que anteriormente se tinha recusado a ajudar Obi-Wan na sua missão (não queria abandonar os tios, só tinha que aguentar mais uns meses até poder ir para a Academia, etc.), decide-se, por fim, a ajudá-lo – não sabemos se é um desejo de vingança, por não ter mais nada a perder ou querer ter algo com que se ocupar, que o leva a tomar esta decisão, mas não faz mal – Luke, provavelmente, também não o sabe.

O Acto II mostra-nos um protagonista determinado a agir, mas ainda preso à sua antiga maneira de ser, a agir da forma que costuma agir. Este terá que mudar como pessoa, evoluir e aprender a resolver os seus problemas de forma diferente antes de conseguir encontrar a solução – e este Acto mostra as coisas a complicarem-se cada vez mais, enquanto o protagonista tenta, em vão, arranjar solução. Lembrem-se – as coisas pioram SEMPRE.

Tendo recrutado Han Solo e Chewbacca num bar rasca para os levar a Alderaan, Obi-Wan Kenobi e Luke chegam ao planeta para descobrir que ele foi destruído por ordem do Império.

As coisas pioram ainda mais quando são capturados pelo raio tractor da Estrela da Morte. Conseguem esconder-se e não ser aprisionados, mas a verdade é que estão ainda presos dentro da base do inimigo. Obi-Wan separa-se do grupo para desactivar o raio tractor para que a nave deles possa escapar. Entretanto, Luke descobre que Leia (a rapariga do holograma) está ainda viva, e vai com os outros salvá-la.

– Cena 3: “Meio\Reviravolta” – Aqui as coisas complicam-se – por um lado, está na hora de dar algum alívio aos personagens, por outro lado, a pressão deve continuar. A ideia da “Reviravolta” é que algo bom pode, ao mesmo tempo, trazer algo mau, que piora a situação – e vice-versa.
Luke consegue salvar Leia – uma importante líder da rebelião, e mais um par de maus competentes para ajudá-los a escapar. Mais que isso, alguém cujo testemunho sobre a existência da Estrela da Morte e da destruição de Alderaan pode fazer a diferença. A parte má é que continuam presos no que, possivelmente, é o sítio com mais soldados imperiais por metro quadrado em toda a galáxia.

– Cena 4: “Ponto Sem Retorno” – Este ponto marca a passagem entre o segundo e terceiro acto, e representa o momento em que quer o protagonista, quer o antagonista, sabem que não podem mais recuar do seu confronto final. Antes, ou o antagonista não tinha noção de como podia magoar o protagonista, ou podia até não saber quem ele era. Muitas das vezes, o conflito final não está planeado, e esta cena é o que o precipita. Até aqui, quer o protagonista quer o antagonista tinham a escolha de se afastar do conflito. A partir deste momento, essa opção já não é viável – as coisas já foram tão longe, que isto só se resolve à base de confronto directo.

Por fim, os heróis conseguem escapar. Mas o confronto entre Luke e o Império está marcado: por um lado, Darth Vader matou Obi-Wan Kenobi, o mentor de Luke, garantindo que este se une definitivamente aos rebeldes e vai ajudá-los. Por outro lado, esta fuga significa que o Império tem que precipitar o conflito – um detector que foi colocado na nave dos heróis vai permitir ao Império encontrar a base dos rebeldes, mas, ao mesmo tempo, significa que a Rebelião vai adquirir planos da Estrela da Morte – o que lhes pode permitir encontrar um ponto fraco com que a destruir. Ou seja, o Império tem que atacar o mais depressa possível, antes que os rebeldes possam usar essa informação. Nem os heróis, nem os vilões se podem dar ao luxo de largar tudo e abandonar o conflito.

Durante o Acto III, o protagonista adquire o poder que lhe vai permitir enfrentar o antagonista: quer seja poderes mágicos, planos secretos, uma espada lendária, ou autoconfiança suficiente para entrar na competição de ginástica. Em alguns casos, o protagonista já tinha o que necessitava para enfrentar o inimigo, mas ainda não acreditava que era capaz de o fazer (ou não queria usar o poder). O protagonista aceita-se e muda como pessoa, e inicia o caminho que o vai levar ao confronto final. É também quando o conflito se torna mais intenso ainda, quando aliados do herói e inocentes começam a morrer. Há um crescendo que vai culminar no combate final.

Os heróis escapam da Estrela da Morte com os planos mas sem Obi-Wan, que morreu. São perseguidos por caças imperiais, mas conseguem chegar a salvo à base rebelde. No entanto, o Império colocou-lhes um detector na nave, e agora sabem onde a Rebelião está aquartelada. A Estrela da Morte é posta em movimento e, assim que chegar ao planeta, irá destruí-lo. Ambos os lados se preparam para o conflito que será inevitável.

– Cena 5: “Momento de Desespero/Está Tudo Perdido” – Neste momento de transição entre o terceiro e quarto acto, tudo parece perdido para o protagonista: é um momento de dúvida, onde o leitor fica sem saber se este irá sobreviver. Por um momento parece que este vai morrer, ou parece que não há saída. As perdas foram tão violentas, e o vilão parece tão forte, que o herói dúvida de si mesmo, e pode mesmo (temporariamente) abandonar o seu objectivo.

Para grande horror dos rebeldes, apercebem-se que a Estrela da Morte está a chegar e o planeta e a base vão ser destruídos em breve – pior que isso, os rebeldes não vão ter hipótese de evacuar completamente, e, depois de analisar os planos, só tiveram tempo de encontrar um possível alvo: uma área de acesso minúscula, de quase impossível acesso. E para piorar as coisas, Han Solo e Chewbacca decidem que esta luta não é deles, querem é o seu pagamento, e abandonar os rebeldes ao seu destino. Realmente parece que as coisas não podem piorar.

O 4º Acto é o mais pequeno de todos, e contém sobretudo o derradeiro escalar até ao conflicto final, o referido conflicto final, e o regresso à normalidade, depois de se descobrir se o protagonista foi bem-sucedido ou não.
A frota do Império alcança o planeta, e ambos os lados lançam as suas naves para a batalha final.

– Cena 6: “Clímax e Victória (ou Derrota)” – O momento do grande confronto, onde tudo se ganha ou perde. O protagonista e o antagonista têm objectivos mutualmente exclusivos, e é aqui que se decide quem (ou se alguém) leva a sua avante. Não deve ser óbvio quem vai ganhar até ao final da batalha.

Começa uma batalha espacial a nível épico. Depois de pesadas perdas para os guerreiros da Rebelião, e do regresso inesperado de Han Solo para salvar o dia, Luke, guiado pela Força, consegue atingir o alvo e destruir a Estrela da Morte. O temível Darth Vader, no entanto, sobrevive e consegue escapar no seu caça, por isso a victória dos rebeldes não é absoluta.

– Cena 7: “Regresso a Casa” – Independentemente do resultado do conflito final (victória, derrota ou assim-assim), há sempre o “regresso ao mundo normal”, o depois da batalha. Claro que depois da aventura toda, quer o herói, quer a sua realidade mudaram para sempre – e este “mundo normal” é diferente do “mundo normal” do início do livro. Mesmo que o protagonista morra durante o conflito final, ainda se irá descrever (brevemente) como vai ser o novo “mundo normal”, sem a presença deste. Isto dá a oportunidade ao leitor de relaxar da tensão crescente que foi o livro todo, e é uma oportunidade de ter fecho.

Os rebeldes celebram a victória, os protagonistas recebem medalhas pelo seu heroísmo, e todos se preparam para o que virá a seguir.

Lembrem-se, a estrutura não é uma receita para um bom livro, é uma ferramenta, uma base. Um bom livro apresenta-nos uma boa história, contada de forma competente (ie. com boa estrutura) – mas se tiverem de escolher entre uma boa história e uma boa estrutura, a primeira ganha sempre.
A estrutura é vossa amiga. Tratem-na como merece.

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